Parte 1- O jus-naturebismo do advogado de porta de cadeia.
Como uma espécie de homem-gabiru da Internet, lá estou varando a noite (escapadinha sorrateira para burlar minha dieta mental) a fim de coletar alguma coisa intelectualmente nutritiva nesse gigantesco depósito de lixo informativo que é o Google, no qual, felizmente, também se podem encontrar inúmeras iguarias de primeira linha. Deparo-me com dois aparentemente deliciosos artigos, cuja leitura me causou uma baita infecção cerebral, levando-me, inclusive, a ter convulsões.
Depois de tomar alguns eficazes laxativos (o capítulo de Intelectuais do Paul Johnson dedicado a Russeau e o capítulo 3 da primeira parte de Imagem proibida de Alain Besançon), debruço-me novamente sobre esses estrupícios esquecidos pela vigilância sanitária para, devidamente imunizado, submeter à análise laboratorial os seus ingredientes conceituais e a receita silogística com base na qual eles foram assados no fogo de Prometeu.
Logo de saída, percebi que ambos são produtos da famosa cozinha esquerdopata, que, de uns tempos pra cá, vem tendo grande popularidade e aceitação em restaurantes universitários e fast-foods jornalísticos. Os chefs Fábio Konder Comparato e Enéas Castilho Chiarini Júnior, ao que parece, gastaram vários pacotes de sopa de letrinhas só para dar nome aos seus respectivos pratos: “Brevíssima nota sobre a constitucionalidade da reserva de cotas para o ingresso de negros na Universidade” e “Sistema de cotas para negros e pardos: hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia”
A proposta jurídico-culinária aí é clara: reciclagem hermenêutica de “direito achado na rua”*, isto é, de lixo ideológico deixado nos acampamentos do MST, para justificar o regime de cotas raciais com base na constituição federal. Vou me limitar ao exame do primeiro, que é mais light, e eventualmente me referir ao segundo, que é uma verdadeira moqueca de ostra com camarão estragado.
Comparato inicia o texto como esses garçons de churrascaria, tentando empurrar farofa, arroz e legumes, de modo que o cliente fique com o bucho cheio e coma pouco ou nada da picanha ou, neste caso, de um mísero churrasquinho de carne de gato em estado de putrefação:
"O sistema constitucional brasileiro não compreende apenas o princípio da igualdade formal ou isonomia, mas também o da igualdade substancial de condições de vida. Os pressupostos de fato na aplicação de um e outro desses princípios fundamentais são, como se sabe, opostos. Assim, enquanto a isonomia ou igualdade perante a lei supõe, para ser aplicada, a inexistência de desigualdades e diferenças relevantes de condição de vida entre pessoas ou grupos sociais, a igualdade aplica-se, exatamente, quando existem tais desigualdades ou diferenças."
Como uma espécie de homem-gabiru da Internet, lá estou varando a noite (escapadinha sorrateira para burlar minha dieta mental) a fim de coletar alguma coisa intelectualmente nutritiva nesse gigantesco depósito de lixo informativo que é o Google, no qual, felizmente, também se podem encontrar inúmeras iguarias de primeira linha. Deparo-me com dois aparentemente deliciosos artigos, cuja leitura me causou uma baita infecção cerebral, levando-me, inclusive, a ter convulsões.
Depois de tomar alguns eficazes laxativos (o capítulo de Intelectuais do Paul Johnson dedicado a Russeau e o capítulo 3 da primeira parte de Imagem proibida de Alain Besançon), debruço-me novamente sobre esses estrupícios esquecidos pela vigilância sanitária para, devidamente imunizado, submeter à análise laboratorial os seus ingredientes conceituais e a receita silogística com base na qual eles foram assados no fogo de Prometeu.
Logo de saída, percebi que ambos são produtos da famosa cozinha esquerdopata, que, de uns tempos pra cá, vem tendo grande popularidade e aceitação em restaurantes universitários e fast-foods jornalísticos. Os chefs Fábio Konder Comparato e Enéas Castilho Chiarini Júnior, ao que parece, gastaram vários pacotes de sopa de letrinhas só para dar nome aos seus respectivos pratos: “Brevíssima nota sobre a constitucionalidade da reserva de cotas para o ingresso de negros na Universidade” e “Sistema de cotas para negros e pardos: hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia”
A proposta jurídico-culinária aí é clara: reciclagem hermenêutica de “direito achado na rua”*, isto é, de lixo ideológico deixado nos acampamentos do MST, para justificar o regime de cotas raciais com base na constituição federal. Vou me limitar ao exame do primeiro, que é mais light, e eventualmente me referir ao segundo, que é uma verdadeira moqueca de ostra com camarão estragado.
Comparato inicia o texto como esses garçons de churrascaria, tentando empurrar farofa, arroz e legumes, de modo que o cliente fique com o bucho cheio e coma pouco ou nada da picanha ou, neste caso, de um mísero churrasquinho de carne de gato em estado de putrefação:
"O sistema constitucional brasileiro não compreende apenas o princípio da igualdade formal ou isonomia, mas também o da igualdade substancial de condições de vida. Os pressupostos de fato na aplicação de um e outro desses princípios fundamentais são, como se sabe, opostos. Assim, enquanto a isonomia ou igualdade perante a lei supõe, para ser aplicada, a inexistência de desigualdades e diferenças relevantes de condição de vida entre pessoas ou grupos sociais, a igualdade aplica-se, exatamente, quando existem tais desigualdades ou diferenças."
A constituição (politéia, forma de governo ou então a unidade arquitetônica das condições e direitos do cidadão, isto é, a cidadania), para qualquer gourmet mais ou menos civilizado, é aquele conjunto de leis fundamentais sem as quais um estado (pólis) é, formalmente, impossível. Se se trata de uma democracia, os membros desse estado, os cidadãos (aquele que goza do direito de cidadania denomina-se em grego polités), são iguais, mas iguais perante a lei (nómos), ou seja, ficam todos eles submetidos às mesmas normas de cuja criação participaram indiretamente (através dos seus representantes, eleitos por sufrágio universal), processo legislativo regulado, em última instância, pela constituição. Ora, a participação política dos cidadãos num estado democrático desconsidera as diferenças que de fato existam entre eles( não importando o paladar dos comensais, se são glutões ou anoréxicos ou se uns preferem seguir as mais sofisticadas regras da boa mesa, enquanto outros fazem das mãos talher e comem de boca aberta, arrotando na cara dos convivas). Não fosse assim, não haveria sentido em se falar de democracia, inviolabilidade constitucional, direito objetivo e coisas do gênero. Então, como é possível que “o princípio da igualdade formal ou isonomia” , na produção legislativa, vigore independentemente de quaisquer diferenças factuais entre os cidadãos, mas, para a aplicação da lei, requeira a supressão absoluta dessas diferenças? E não adianta dizer que se trata aqui apenas de diferenças “relevantes” que afetam as “condições de vida”, pois, no que concerne ao nosso bem-estar material (mesmo quando não está em jogo a necessidade básica de matar a fome e a sede), qualquer diferença pode ser considerada relevante para quem se pretende titular de algum direito. Fazendo um contorcionismo lingüístico de fazer inveja à cobra, Comparato inverte falaciosamente o argumento e, agora, a própria existência dessas diferenças relevantes justifica, e mesmo exige, a aplicação do “princípio da igualdade substancial de condições de vida”. Como sabe perfeitamente que em qualquer sociedade, por mais rica que seja e por maior que seja a distribuição de renda, sempre subsistirão diferenças entre os indivíduos, Comparato condiciona a aplicação do princípio de igualdade formal à realização completa da igualdade substancial, o que equivale a sobrepor o princípio material ao princípio formal da isonomia, isto é, a negar peremptoriamente que este último, de fato, tenha algum lugar na constituição.
Na seqüência, Comparato nos oferece uma saladazinha de rúcula com cebola, antes que o cliente perca a paciência e peça a conta sem terminar a refeição:
"Convém distinguir a desigualdade da diferença. A primeira é criada no curso da vida social, e estabelece uma relação de superior a inferior, no tocante a respeito ao respeito à dignidade humana. Ela é, portanto, rigorosamente imoral e inconstitucional. Já as diferenças dizem respeito à condição biológica das pessoas (a diferença de gênero, por exemplo), ou ao seu patrimônio cultural, como no caso das comunidades étnicas ou religiosas. As diferenças, assim caracterizadas, devem ser respeitadas e protegidas, como formas de expressão da dignidade humana."
Como nosso chef, para não ser confundido com cozinheiro de restaurante pé-sujo, vai apelar mais a frente a Aristóteles, não é supérfluo lembrar-lhe o esclarecimento que o estagirita, na Metafísica, faz acerca do conceito de unidade, à luz de sua doutrina das categorias. Da mesma maneira que “ente” e “bem”, “unidade” se diz em múltiplos sentidos. Na categoria de substância (ousía), unidade significa identidade, ao passo que multiplicidade, seu oposto, significa alteridade (diferença). Na categoria de qualidade, unidade é semelhança, sendo que a multiplicidade de afecções de duas ou mais substâncias, que, tomadas individualmente, são sempre diferentes (caso contrário, seriam uma única e mesma coisa), assinala o fato de elas, as substâncias, serem dessemelhantes no que concerne a esta ou aquela afecção. Por fim, na categoria de quantidade, unidade é igualdade e multiplicidade, desigualdade. Assim, sob o lastro semântico das categorias, podemos corretamente dizer que Sócrates e Aristóteles são idênticos na medida em que se determinam pela espécie homem (substância segunda, to ti en einai, to ti esti), mas são diferentes enquanto substâncias individuais(tode ti). Do ponto de vista da qualidade, sempre haverá entre ambos semelhanças ( são brancos) e dessemelhanças (um é calvo, o outro, não). Agora, considerados a partir da categoria de quantidade, a única igualdade entre eles é terem a mesma cidadania, ou seja, a conduta de ambos ser suscetível de avaliação segundo a mesma medida (norma pública) que se aplica aos demais cidadãos. No mais, não há qualquer sentido em falar de igualdade ou desigualdade, exceto se se tiver em vista a estatura, a figura física ou o número de dedos dos dois filósofos.
Por aí já se vê o absurdo da afirmação de que a desigualdade, em oposição à diferença, se deve a fatores sociais e, por isso, é essencialmente “imoral e inconstitucional”. Idem, a caracterização da diferença como algo da ordem do biológico e natural ou então como um elemento da cultura, .
Igualdade/desigualdade é da esfera abstrata da matemática, sendo, pois, conceitos puramente formais. Identidade/alteridade são termos lógico-semânticos, necessários à coordenação e/ou subordinação de conceitos, de acordo com o conteúdo e a extensão dos mesmos, num todo sistematicamente articulado, portanto, concernentes ao estatuto ontológico das substâncias. Semelhança e dessemelhança dizem respeito apenas às qualidades acidentais, concomitantes, das substâncias, acidentes, esses sim, derivados da nossa inserção no mundo sensível e, portanto, decorrentes da implacável mudança (metabolé) que rege a natureza (physis).
Pela lógica comparatista, com efeito, é uma injustiça sem precedentes que 2+2 não sejam iguais a 5 ou que Lula só possua 9 dedos, estando no seu devido lugar os dedos do dono da fábrica onde o apedeuta comandava greves, ao passo que a mais alta expressão da dignidade humana são a preservação de dessemelhanças acidentais (étnicas: nada de intercurso sexual entre pretos e brancos; de gênero: mulher e homem não devem optar pela monogamia ao constituir família) e o confinamento esquizofrênico dos indivíduos em grupos (protestantes e católicos não podem se identificar na fé cristã, patrões e empregados não podem, juntos, produzir riqueza).
Na seqüência, Comparato nos oferece uma saladazinha de rúcula com cebola, antes que o cliente perca a paciência e peça a conta sem terminar a refeição:
"Convém distinguir a desigualdade da diferença. A primeira é criada no curso da vida social, e estabelece uma relação de superior a inferior, no tocante a respeito ao respeito à dignidade humana. Ela é, portanto, rigorosamente imoral e inconstitucional. Já as diferenças dizem respeito à condição biológica das pessoas (a diferença de gênero, por exemplo), ou ao seu patrimônio cultural, como no caso das comunidades étnicas ou religiosas. As diferenças, assim caracterizadas, devem ser respeitadas e protegidas, como formas de expressão da dignidade humana."
Como nosso chef, para não ser confundido com cozinheiro de restaurante pé-sujo, vai apelar mais a frente a Aristóteles, não é supérfluo lembrar-lhe o esclarecimento que o estagirita, na Metafísica, faz acerca do conceito de unidade, à luz de sua doutrina das categorias. Da mesma maneira que “ente” e “bem”, “unidade” se diz em múltiplos sentidos. Na categoria de substância (ousía), unidade significa identidade, ao passo que multiplicidade, seu oposto, significa alteridade (diferença). Na categoria de qualidade, unidade é semelhança, sendo que a multiplicidade de afecções de duas ou mais substâncias, que, tomadas individualmente, são sempre diferentes (caso contrário, seriam uma única e mesma coisa), assinala o fato de elas, as substâncias, serem dessemelhantes no que concerne a esta ou aquela afecção. Por fim, na categoria de quantidade, unidade é igualdade e multiplicidade, desigualdade. Assim, sob o lastro semântico das categorias, podemos corretamente dizer que Sócrates e Aristóteles são idênticos na medida em que se determinam pela espécie homem (substância segunda, to ti en einai, to ti esti), mas são diferentes enquanto substâncias individuais(tode ti). Do ponto de vista da qualidade, sempre haverá entre ambos semelhanças ( são brancos) e dessemelhanças (um é calvo, o outro, não). Agora, considerados a partir da categoria de quantidade, a única igualdade entre eles é terem a mesma cidadania, ou seja, a conduta de ambos ser suscetível de avaliação segundo a mesma medida (norma pública) que se aplica aos demais cidadãos. No mais, não há qualquer sentido em falar de igualdade ou desigualdade, exceto se se tiver em vista a estatura, a figura física ou o número de dedos dos dois filósofos.
Por aí já se vê o absurdo da afirmação de que a desigualdade, em oposição à diferença, se deve a fatores sociais e, por isso, é essencialmente “imoral e inconstitucional”. Idem, a caracterização da diferença como algo da ordem do biológico e natural ou então como um elemento da cultura, .
Igualdade/desigualdade é da esfera abstrata da matemática, sendo, pois, conceitos puramente formais. Identidade/alteridade são termos lógico-semânticos, necessários à coordenação e/ou subordinação de conceitos, de acordo com o conteúdo e a extensão dos mesmos, num todo sistematicamente articulado, portanto, concernentes ao estatuto ontológico das substâncias. Semelhança e dessemelhança dizem respeito apenas às qualidades acidentais, concomitantes, das substâncias, acidentes, esses sim, derivados da nossa inserção no mundo sensível e, portanto, decorrentes da implacável mudança (metabolé) que rege a natureza (physis).
Pela lógica comparatista, com efeito, é uma injustiça sem precedentes que 2+2 não sejam iguais a 5 ou que Lula só possua 9 dedos, estando no seu devido lugar os dedos do dono da fábrica onde o apedeuta comandava greves, ao passo que a mais alta expressão da dignidade humana são a preservação de dessemelhanças acidentais (étnicas: nada de intercurso sexual entre pretos e brancos; de gênero: mulher e homem não devem optar pela monogamia ao constituir família) e o confinamento esquizofrênico dos indivíduos em grupos (protestantes e católicos não podem se identificar na fé cristã, patrões e empregados não podem, juntos, produzir riqueza).
O cardápio indigesto de Comparato, no entanto, não se esgota nesse erro. Vai mais além. Finca pé em Aristóteles:
"Temos, pois, que o pressuposto da isonomia é uma igualdade de fato a ser respeitada, ao passo que o objetivo a princípio da igualdade substancial de condições de vida é a eliminação das desigualdades existentes, a ser efetivada por meio de políticas públicas ou programas de ação estatal. Essa duplicidade de regimes jurídicos corresponde, na verdade, à distinção feita por Aristóteles, no livro V da Ética a Nicômaco, entre justiça comutativa ou contratual e justiça distributiva ou proporcional."
Colocado nesses termos, o princípio da isonomia (formal) é, obviamente, inaplicável, pois pressupõe indivíduos perfeitamente iguais, o que, sendo algo impossível (senão, como vimos, sem sentido), põe em cena o princípio da igualdade substancial. Este, segundo Comparato, corresponde à justiça distributiva, ao passo que aquele, à justiça comutativa. Como se vê, o argumento “comparativo” consegue a façanha de reduzir a Ética a Nicômaco a um vade mecum de culinária marroquina. Eu prefiro, porém, ir direto a um restaurante grego e saborear a filosofia peripatética in locu.
De acordo com Aristóteles, “justiça"("dikaiosyne) é um termo ambíguo, comportando, pois, diversos sentidos. Justo se diz tanto o homem honesto quanto aquele que cumpre a lei. No primeiro caso, justiça é uma espécie de virtude moral ( parte de um todo) e, portanto, uma "disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo” (EN, 1129a). No segundo, justiça compreende a totalidade das virtudes, na medida em que “todos os atos conforme à lei são atos justos em certo sentido, pois os atos prescritos pela arte do legislador são conforme à lei, e dizemos que cada um deles é justo” (EN,1129b). De fato,
"chamamos justos os atos que tendem a produzir e a preservar a felicidade e os elementos que a compõem para a sociedade política. E a lei determina que pratiquemos tanto os atos de um homem corajoso (isto é, que não desertemos de nosso posto, nem fujamos, nem abandonemos nossas armas), quanto os atos de um homem temperante(isto é, que não cometamos adultério nem nos entreguemos à luxúria) e os de um homem calmo (isto é, que não agridamos nem caluniemos ninguém); e assim por diante com respeito às outras virtudes, prescrevendo certos atos e condenando outros. A lei bem elaborada faz essas coisas retamente, ao passo que as leis mal elaboradas às pressas não o fazem assim tão bem”. (EN, Ibidem).
Justiça, nesse sentido, é a “virtude completa”, porque concerne ao exercício de toda e qualquer virtude, “não só em relação a si mesmo, como também em relação ao próximo, uma vez que muitos homens exercem sua virtude nos assuntos privados, mas não em suas relações com as outras pessoas” (EN, Ibidem) Cabe esclarecer que, de todas as virtudes, a justiça é a única que se inscreve na relação entre indivíduos, cujas ações podem se influenciar mutuamente, significando, de um modo geral, a preservação do bem de cada um. Como totalidade das virtudes, a justiça consiste, portanto, em “atos prescritos pela lei visando à educação para o bem comum”, uma vez que, para Aristóteles, este nada mais é que a soma das condições políticas sob as quais somente é possível a máxima autarquia dos cidadãos e, por conseguinte, a realização da felicidade de que o ser humano é capaz.
A distinção entre justiça distributiva e justiça comutativa refere-se à primeira divisão da justiça em sentido particular, ou seja,à justiça como uma virtude moral. Tanto quanto a justiça como totalidade das virtudes, a justiça particular incide na relação ente indivíduos. A disposição de caráter, a virtude da justiça, porém, tem lugar ou na relação dos cidadãos entre si ou do cidadão e o governante (ou alguém que lhe seja hierarquicamente superior). Neste caso, trata-se de justiça distributiva, disposição virtuosa de dar a cada um aquilo que lhe é devido segundo o mérito, determinado pela constituição do estado a que pertence, mas aferível tão-somente pelo juízo do homem prudente**, o qual é aquele que, em princípio, deve ficar encarregado da produção legislativa. O princípio desse juízo é a “proporção geométrica”, segundo a qual “o todo está para o todo assim como cada parte está para a parte correspondente” (EN, 1131b). Assim, se um professor quer ser distributivamente justo na avaliação de seus alunos, digamos os alunos A e B, deverá repartir o todo da nota (20 pontos numa escala de 0 a 10, por exemplo), conforme o desempenho de cada um deles. Com efeito, o aluno A, que executou bem metade das tarefas propostas, deverá ficar com nota 5, ao passo que B, que realizou todas elas, ficará com 10, sendo que os 5 pontos restantes correspondem exatamente ao que eles proporcionalmente deixaram de fazer. Já a justiça comutativa se instala nas transações entre indivíduos iguais, isto é, iguais perante às leis do estado a que pertencem. Essas transações podem ser voluntárias, como nas trocas (compra e venda), em que, se forem justas, cada um fica com o mesmo quinhão de bens que antes possuía, ou involuntárias, quando uma das partes é, contra sua vontade, forçada pela outra ao intercâmbio. Neste caso, a transação ou é clandestina, como o furto, o adultério e o estelionato, ou é violenta, como o seqüestro, o homicídio e a injúria. O princípio da justiça comutativa é a reparação da injustiça sofrida por alguém segundo uma proporção aritmética, por exemplo, a restituição do que lhe foi roubado ou, no caso do assassinato, privando da liberdade o agressor.
O pressuposto básico da justiça em ambos os sentidos é que as ações dos indivíduos lhes sejam imputáveis e, por conseguinte, que eles, em princípio, respondam por sua conduta. Mas isso só é possível se , como cidadãos (submetidos, portanto, a uma mesma constituição), possuírem uma igual esfera externa de liberdade, delimitada “formalmente” pelos direitos subjetivos fundamentais à vida, à propriedade e à honra, direitos sem os quais a palavra “justiça” seria absolutamente destituída de significação objetiva. Todos os demais direitos, por assim dizer, adquiridos têm que se acomodar à essa esfera, dando-lhe conteúdo.
Não é preciso muita perspicácia para se dar conta da falácia de Comparato. Os direitos fundamentais, que o princípio da isonomia deve proteger, ficam condicionados aos direitos criados por força do que ele chama de princípio da igualdade substancial, ou seja, por um voluntarismo populista que não reconhece qualquer limite constitucional. Ao invés de a forma (morphé) estruturar o conteúdo (a matéria, hylé), este a condena como uma abstração inútil ou, melhor, como algo de que, eventualmente, se pode lançar mão segundo “interesses difusos” ou as injunções do momento. Além disso, o princípio da isonomia perpassa tanto a justiça comutativa quanto a justiça distributiva, não visando esta última corrigir "desigualdades sociais" nem, muito menos, conferir "direitos", mas, ao contrário, determinar quem, e como, desempenhará atividades de interesse público assim como o nível de participação dos cidadãos nos bens comuns, tudo isso na proporção do valor intelectual e moral de cada um deles.
"Temos, pois, que o pressuposto da isonomia é uma igualdade de fato a ser respeitada, ao passo que o objetivo a princípio da igualdade substancial de condições de vida é a eliminação das desigualdades existentes, a ser efetivada por meio de políticas públicas ou programas de ação estatal. Essa duplicidade de regimes jurídicos corresponde, na verdade, à distinção feita por Aristóteles, no livro V da Ética a Nicômaco, entre justiça comutativa ou contratual e justiça distributiva ou proporcional."
Colocado nesses termos, o princípio da isonomia (formal) é, obviamente, inaplicável, pois pressupõe indivíduos perfeitamente iguais, o que, sendo algo impossível (senão, como vimos, sem sentido), põe em cena o princípio da igualdade substancial. Este, segundo Comparato, corresponde à justiça distributiva, ao passo que aquele, à justiça comutativa. Como se vê, o argumento “comparativo” consegue a façanha de reduzir a Ética a Nicômaco a um vade mecum de culinária marroquina. Eu prefiro, porém, ir direto a um restaurante grego e saborear a filosofia peripatética in locu.
De acordo com Aristóteles, “justiça"("dikaiosyne) é um termo ambíguo, comportando, pois, diversos sentidos. Justo se diz tanto o homem honesto quanto aquele que cumpre a lei. No primeiro caso, justiça é uma espécie de virtude moral ( parte de um todo) e, portanto, uma "disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo” (EN, 1129a). No segundo, justiça compreende a totalidade das virtudes, na medida em que “todos os atos conforme à lei são atos justos em certo sentido, pois os atos prescritos pela arte do legislador são conforme à lei, e dizemos que cada um deles é justo” (EN,1129b). De fato,
"chamamos justos os atos que tendem a produzir e a preservar a felicidade e os elementos que a compõem para a sociedade política. E a lei determina que pratiquemos tanto os atos de um homem corajoso (isto é, que não desertemos de nosso posto, nem fujamos, nem abandonemos nossas armas), quanto os atos de um homem temperante(isto é, que não cometamos adultério nem nos entreguemos à luxúria) e os de um homem calmo (isto é, que não agridamos nem caluniemos ninguém); e assim por diante com respeito às outras virtudes, prescrevendo certos atos e condenando outros. A lei bem elaborada faz essas coisas retamente, ao passo que as leis mal elaboradas às pressas não o fazem assim tão bem”. (EN, Ibidem).
Justiça, nesse sentido, é a “virtude completa”, porque concerne ao exercício de toda e qualquer virtude, “não só em relação a si mesmo, como também em relação ao próximo, uma vez que muitos homens exercem sua virtude nos assuntos privados, mas não em suas relações com as outras pessoas” (EN, Ibidem) Cabe esclarecer que, de todas as virtudes, a justiça é a única que se inscreve na relação entre indivíduos, cujas ações podem se influenciar mutuamente, significando, de um modo geral, a preservação do bem de cada um. Como totalidade das virtudes, a justiça consiste, portanto, em “atos prescritos pela lei visando à educação para o bem comum”, uma vez que, para Aristóteles, este nada mais é que a soma das condições políticas sob as quais somente é possível a máxima autarquia dos cidadãos e, por conseguinte, a realização da felicidade de que o ser humano é capaz.
A distinção entre justiça distributiva e justiça comutativa refere-se à primeira divisão da justiça em sentido particular, ou seja,à justiça como uma virtude moral. Tanto quanto a justiça como totalidade das virtudes, a justiça particular incide na relação ente indivíduos. A disposição de caráter, a virtude da justiça, porém, tem lugar ou na relação dos cidadãos entre si ou do cidadão e o governante (ou alguém que lhe seja hierarquicamente superior). Neste caso, trata-se de justiça distributiva, disposição virtuosa de dar a cada um aquilo que lhe é devido segundo o mérito, determinado pela constituição do estado a que pertence, mas aferível tão-somente pelo juízo do homem prudente**, o qual é aquele que, em princípio, deve ficar encarregado da produção legislativa. O princípio desse juízo é a “proporção geométrica”, segundo a qual “o todo está para o todo assim como cada parte está para a parte correspondente” (EN, 1131b). Assim, se um professor quer ser distributivamente justo na avaliação de seus alunos, digamos os alunos A e B, deverá repartir o todo da nota (20 pontos numa escala de 0 a 10, por exemplo), conforme o desempenho de cada um deles. Com efeito, o aluno A, que executou bem metade das tarefas propostas, deverá ficar com nota 5, ao passo que B, que realizou todas elas, ficará com 10, sendo que os 5 pontos restantes correspondem exatamente ao que eles proporcionalmente deixaram de fazer. Já a justiça comutativa se instala nas transações entre indivíduos iguais, isto é, iguais perante às leis do estado a que pertencem. Essas transações podem ser voluntárias, como nas trocas (compra e venda), em que, se forem justas, cada um fica com o mesmo quinhão de bens que antes possuía, ou involuntárias, quando uma das partes é, contra sua vontade, forçada pela outra ao intercâmbio. Neste caso, a transação ou é clandestina, como o furto, o adultério e o estelionato, ou é violenta, como o seqüestro, o homicídio e a injúria. O princípio da justiça comutativa é a reparação da injustiça sofrida por alguém segundo uma proporção aritmética, por exemplo, a restituição do que lhe foi roubado ou, no caso do assassinato, privando da liberdade o agressor.
O pressuposto básico da justiça em ambos os sentidos é que as ações dos indivíduos lhes sejam imputáveis e, por conseguinte, que eles, em princípio, respondam por sua conduta. Mas isso só é possível se , como cidadãos (submetidos, portanto, a uma mesma constituição), possuírem uma igual esfera externa de liberdade, delimitada “formalmente” pelos direitos subjetivos fundamentais à vida, à propriedade e à honra, direitos sem os quais a palavra “justiça” seria absolutamente destituída de significação objetiva. Todos os demais direitos, por assim dizer, adquiridos têm que se acomodar à essa esfera, dando-lhe conteúdo.
Não é preciso muita perspicácia para se dar conta da falácia de Comparato. Os direitos fundamentais, que o princípio da isonomia deve proteger, ficam condicionados aos direitos criados por força do que ele chama de princípio da igualdade substancial, ou seja, por um voluntarismo populista que não reconhece qualquer limite constitucional. Ao invés de a forma (morphé) estruturar o conteúdo (a matéria, hylé), este a condena como uma abstração inútil ou, melhor, como algo de que, eventualmente, se pode lançar mão segundo “interesses difusos” ou as injunções do momento. Além disso, o princípio da isonomia perpassa tanto a justiça comutativa quanto a justiça distributiva, não visando esta última corrigir "desigualdades sociais" nem, muito menos, conferir "direitos", mas, ao contrário, determinar quem, e como, desempenhará atividades de interesse público assim como o nível de participação dos cidadãos nos bens comuns, tudo isso na proporção do valor intelectual e moral de cada um deles.
Por detrás dessa inversão sofística, encontra-se, em verdade, uma agenda política cujo propósito é, no fundo, solapar as bases morais e culturais em que se edifica o estado democrático de direito, abrindo as portas para o completo aparelhamento do estado por quem, camuflando suas pretensões ditatoriais, se crê legítimo porta-voz do povo, a começar das “minorias desprotegidas", e investido da função messiânica de corrigir as “injustiças sociais” e, supra-sumo da soberba, até reformar a natureza humana.
É o que se pode observar na passagem seguinte, extraída do outro artigo acima mencionado, no qual a justiça no sentido de estrito cumprimento das leis, tal como vimos a respeito de Aristóteles, se converte em “justiça social”, que, segundo o autor, requer que os cidadãos “dêem à comunidade o bem que lhe é devido”, trocando em miúdos, que justifica a extorsão dos indivíduos pelo estado, favorecendo, é claro, aqueles para quem escoa o dinheiro público, a saber, os movimentos sociais e demais tentáculos do PT:
"Assim, devemos ter em mente a realidade social brasileira, sobre a qual João Baptista Herkenhoff chega a lembrar que "para a lei, todos são iguais [artigo 5º da Constituição Federal]. Ingênuo engano. Os homens são desiguais. Uma estrutura de opressão cria e alimenta as desigualdades. Dessa constatação há de partir toda tentativa de um Direito justo: apreciação desigual, ante a desigualdade social e a desigualdade humana."
Em outra passagem, continua o mesmo autor: "segundo o ensaio clássico, a Justiça explicita-se de três maneiras fundamentais: a) como Justiça comutativa; b) como Justiça distributiva; c) como Justiça geral, social ou legal. A Justiça comutativa exige que cada pessoa dê a outra o que lhe é devido. A Justiça distributiva manda que a sociedade dê a cada particular o bem que lhe é devido. A Justiça geral, social ou legal determina que as partes da sociedade dêem, à comunidade o bem que lhe é devido", sendo que "Justiça Social entre nós é vencer a fome, as brutais desigualdades, é impedir que a infância seja destruída antes mesmo que a vida alvoreça, é reconhecer às multidões oprimidas o direito de partilhar os dons e as grandezas da Criação. Justiça social entre nós é exigir Justiça nas relações internacionais, é denunciar como iníquos os mecanismos que nos mantêm eternamente em dívida para com os ricos do mundo. Não há Justiça Social onde a sociedade, como um todo, não proporciona a satisfação dos direitos das pessoas em particular e sobretudo das pessoas mais credoras de proteção como a criança, o velho, o doente [...] Também não há Justiça Social se os particulares, as empresas, as microssociedades não contribuem, cada um na medida de suas possibilidades, para o bem da sociedade global. Não há Justiça Social onde vigoram as leis do egoísmo, da sonegação fiscal, do peculato, e o Estado, longe de cumprir o desiderato distributivista, constitui, ao contrário, instrumento de acumulação em favor das minorias privilegiadas."
Quanto à tentativa meia-pataca de desqualificar a meritocracia, ínsita no conceito aristotélico de justiça distributiva, para dar força ao sistema de reserva de cotas raciais nos concursos vestibulares, o artigo não hesita recorrer a argumentos nitidamente racistas, típicos de quem cultua o hábito de se valer de informações pseudo-científicas obtidas, ainda por cima, de segunda-mão:
"Porém, o critério intelectual não é absoluto, tampouco afere com precisão o mérito do esforço individual. Ora, o que tem melhores condições materiais e psicológicas efetuará menor esforço para atingir resultado idêntico ao do inferiorizado. O professor Sandro Cesar Sell afirma: ‘O que os estudos têm demonstrados é que a supremacia intelectual freqüentemente não é uma conquista, mas um presente genético ou a resultante de condições ambientais na qual o indivíduo tem pouca ou nenhuma influência (como o fato de ter nascido num lar intelectualmente estimulante). Então, será que realmente se está premiando os mais dedicados com as seletas vagas, quando se as atribui aos melhores classificados nos testes intelectuais? Ou se estaria simplesmente premiando os mais agraciado pela natureza ou acaso? Ora, muitos dos estudantes, de qualquer origem étnica, que não ingressaram nas universidades podem ter se esforçado muito mais do que aqueles que, por sua natureza específica, ambiente social e inteligência herdada, pouco se preocuparam com esses testes. Suas condições de partida (genéticas e ambientais) os colocaram naturalmente à frente. Não haveria aqui discriminação intelectual?’ Vemos, pois, que nem mesmo o conceito de mérito pode ser concebido de forma estática ou em caráter absoluto."
Sem comentários.
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*Para quem não conhece essa estrovenga acadêmica, eis o sumário de um dos volumes da revista na qual ela foi parida:
É o que se pode observar na passagem seguinte, extraída do outro artigo acima mencionado, no qual a justiça no sentido de estrito cumprimento das leis, tal como vimos a respeito de Aristóteles, se converte em “justiça social”, que, segundo o autor, requer que os cidadãos “dêem à comunidade o bem que lhe é devido”, trocando em miúdos, que justifica a extorsão dos indivíduos pelo estado, favorecendo, é claro, aqueles para quem escoa o dinheiro público, a saber, os movimentos sociais e demais tentáculos do PT:
"Assim, devemos ter em mente a realidade social brasileira, sobre a qual João Baptista Herkenhoff chega a lembrar que "para a lei, todos são iguais [artigo 5º da Constituição Federal]. Ingênuo engano. Os homens são desiguais. Uma estrutura de opressão cria e alimenta as desigualdades. Dessa constatação há de partir toda tentativa de um Direito justo: apreciação desigual, ante a desigualdade social e a desigualdade humana."
Em outra passagem, continua o mesmo autor: "segundo o ensaio clássico, a Justiça explicita-se de três maneiras fundamentais: a) como Justiça comutativa; b) como Justiça distributiva; c) como Justiça geral, social ou legal. A Justiça comutativa exige que cada pessoa dê a outra o que lhe é devido. A Justiça distributiva manda que a sociedade dê a cada particular o bem que lhe é devido. A Justiça geral, social ou legal determina que as partes da sociedade dêem, à comunidade o bem que lhe é devido", sendo que "Justiça Social entre nós é vencer a fome, as brutais desigualdades, é impedir que a infância seja destruída antes mesmo que a vida alvoreça, é reconhecer às multidões oprimidas o direito de partilhar os dons e as grandezas da Criação. Justiça social entre nós é exigir Justiça nas relações internacionais, é denunciar como iníquos os mecanismos que nos mantêm eternamente em dívida para com os ricos do mundo. Não há Justiça Social onde a sociedade, como um todo, não proporciona a satisfação dos direitos das pessoas em particular e sobretudo das pessoas mais credoras de proteção como a criança, o velho, o doente [...] Também não há Justiça Social se os particulares, as empresas, as microssociedades não contribuem, cada um na medida de suas possibilidades, para o bem da sociedade global. Não há Justiça Social onde vigoram as leis do egoísmo, da sonegação fiscal, do peculato, e o Estado, longe de cumprir o desiderato distributivista, constitui, ao contrário, instrumento de acumulação em favor das minorias privilegiadas."
Quanto à tentativa meia-pataca de desqualificar a meritocracia, ínsita no conceito aristotélico de justiça distributiva, para dar força ao sistema de reserva de cotas raciais nos concursos vestibulares, o artigo não hesita recorrer a argumentos nitidamente racistas, típicos de quem cultua o hábito de se valer de informações pseudo-científicas obtidas, ainda por cima, de segunda-mão:
"Porém, o critério intelectual não é absoluto, tampouco afere com precisão o mérito do esforço individual. Ora, o que tem melhores condições materiais e psicológicas efetuará menor esforço para atingir resultado idêntico ao do inferiorizado. O professor Sandro Cesar Sell afirma: ‘O que os estudos têm demonstrados é que a supremacia intelectual freqüentemente não é uma conquista, mas um presente genético ou a resultante de condições ambientais na qual o indivíduo tem pouca ou nenhuma influência (como o fato de ter nascido num lar intelectualmente estimulante). Então, será que realmente se está premiando os mais dedicados com as seletas vagas, quando se as atribui aos melhores classificados nos testes intelectuais? Ou se estaria simplesmente premiando os mais agraciado pela natureza ou acaso? Ora, muitos dos estudantes, de qualquer origem étnica, que não ingressaram nas universidades podem ter se esforçado muito mais do que aqueles que, por sua natureza específica, ambiente social e inteligência herdada, pouco se preocuparam com esses testes. Suas condições de partida (genéticas e ambientais) os colocaram naturalmente à frente. Não haveria aqui discriminação intelectual?’ Vemos, pois, que nem mesmo o conceito de mérito pode ser concebido de forma estática ou em caráter absoluto."
Sem comentários.
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*Para quem não conhece essa estrovenga acadêmica, eis o sumário de um dos volumes da revista na qual ela foi parida:
O DIREITO ACHADO NA RUA vol. 3INTRODUÇÃO CRÍTICA AO DIREITO AGRÁRIO
SumárioApresentação da Série .................................................................................................13Direito e Questão Agrária: a UnB à frente do seu tempo ..............................................15Lauro Morhy O Direito Achado na Rua: terra, trabalho, justiça e paz ...............................................17José Geraldo de Sousa JúniorA legitimidade do conflito: onde nasce o novo Direito ..................................................29Mônica Castagna Molina Por um Brasil sem latifúndio ....................................................................................37 Fernando da Costa Tourinho NetoGuia do Aluno ..............................................................................................................43 Prefácio .....................................................................................................................49 O Direito Achado na Rua: um olhar pelo outro lado ......................................................51 Roberto A. R. de AguiarUnidade I – O Processo Social de Criação do Direito ............................................................57Apresentação ......................................................................................................59 Módulo 1 – O Direito Achado na Rua .........................................................................61 Cláudio Souto Módulo 2 – Teoria e prática de O Direito Achado na Rua ...............................................67 Alexandre Bernardino Costa Módulo 3 – Para uma nova teoria da democracia .........................................................77 Boaventura de Sousa Santos Módulo 4 – A nova filosofia jurídica ...........................................................................87 Roberto Lyra Filho Módulo 5 – A terra no campo: a questão agrária .........................................................95 Miguel Lanzellotti BaldezUnidade II – Terra, História e Direito ...............................................................................109 Apresentação .....................................................................................................111 Módulo 1 – A reforma inacabada ............................................................................113 Thomas Miguel Pressburger Módulo 2 – Reforma Agrária e direito de propriedade ..................................................121 Alberto da Silva Jones Módulo 3 – Deserdados da terra .............................................................................135 Margarida Maria Moura Módulo 4 – Terra: representações e cidadania ..........................................................145 Cléria Botelho da Costa Módulo 5 – O MST e o Direito ................................................................................153 Marcelo Dias Varella Módulo 6 – Uma janela histórica: regulamentação da Reforma Agrária ............................165 Edélcio Vigna de OliveiraUnidade III – Terra, Conflito e Cidadania ..........................................................................177 Apresentação .....................................................................................................179 Módulo 1 – Dimensões políticas da violência no campo ................................................181 Leonilde Sérvolo de Medeiros Módulo 2 – Conflitos agrários na Amazônia ................................................................197 Alfredo Wagner Berno de Almeida Módulo 3 – Sem-terra: lógicas de exclusão, inclusão e violência ....................................209 Eliane Sebeika Rapcham Módulo 4 – A criminalização dos sem-terra ................................................................221 Tarso Genro Módulo 5 – Conflito possessório e positivismo ético .....................................................225 Sérgio Sérvulo da Cunha Módulo 6 – Conflito, cidadania e felicidade ................................................................235 Manoel Lauro Volkmer de Castilho Módulo 7 – Os conflitos de terra e a impunidade .........................................................245 Hélio BicudoUnidade IV – Reforma Agrária, Função Social e Direito ao Uso do Solo .....................................251 Apresentação ......................................................................................................253 Módulo 1 – Justiça para o campo .............................................................................255 Marcello Lavènere Machado Módulo 2 – O Direito achado do lado de fora da cerca ..................................................259 Jadir de Morais Pessoa Módulo 3 – Apontamentos sobre alguns julgados brasileiros ...........................................269 Jacques Távora Alfonsin Módulo 4 – Os sem-terra e a função social da propriedade ............................................283 Antônio J. Porto Rosa Módulo 5 – Ocupação: modo de realizar a promessa constitucionalde Reforma Agrária ................................................................................291 Cecília Pessoa Guerra de Siqueira Viviane Vinaud Hirayama Módulo 6 – Reforma Agrária: algumas questões atuais ..................................................297 Gerson Gomes Módulo 7 – Reforma Agrária: caminho para a democracia ..............................................307 Sueli Aparecida Bellato Módulo 8 – Reforma Agrária e projeto de construção nacional ........................................315 Plínio de Arruda Sampaio Módulo 9 – Reforma Agrária, função social e direito ao uso do solo .................................321 Herbert de SouzaUnidade V – Movimentos Sociais e Direitos Humanos ............................................................327 Apresentação ......................................................................................................329 Módulo 1 – A sociedade democrática ........................................................................331 Marilena Chauí Módulo 2 – O papel do MST na construção da democracia ............................................341 Bernardo Mançano Fernandes Módulo 3 – O MST: fundamentos político-jurídicos de sua prática ...................................349 Kassius Diniz da Silva Pontes Módulo 4 – O MST e a atual estrutura sindical ............................................................357 Carlos Eduardo Freitas Módulo 5 – O futuro dos direitos humanos após a globalização .......................................367 José Eduardo FariaTrabalho Final................................................................................................................381 A Marcha dos Sem-Terra: O Brasil em Movimento por Reforma Agrária, Emprego e Justiça ......................................384 Nair Heloísa Bicalho de Sousa Apresentação das Instituições Promotoras do Curso ............................................................397 Derrubar as cercas do latifúndio e do conhecimento:a razão da existência do Grupo de Trabalho de apoio à Reforma Agrária ..........................399 Mônica Castagna Molina Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos .......................................................403 José Geraldo de Sousa Júnior A Educação a Distância do NED – UnB ......................................................................405 LegendasFotos................................................................................................................. 409Sebastião SalgadoOrganizadores:Mônica Castagna MolinaJosé Geraldo de Sousa JúniorFernando da Costa Tourinho Neto O Direito Achado na Rua – Introdução Crítica ao Direito Agrário Brasília, Universidade de Brasília, Decanato de Extensão,Grupo de Trabalho de apoio à Reforma Agrária, São Paulo:Imprensa Oficial do Estado, 2002, vol. 3.
O Direito Achado na Rua foi a expressão criada por Roberto Lyra Filho para pensar o Direito derivado da ação dos movimentos sociais, ou seja, como modelo de legítima organização social da liberdade. Atualmente é uma linha de pesquisa do Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos – NEP. Baseado na Nova Escola Jurídica Brasileira – Nair, o Direito Achado na Rua é o encontro dos Novos Movimentos Sociais e o Direito, indo além do legalismo, procurando encontrar o Direito na "rua", no espaço público, nas reivindicações do povo. O Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos – NEP, atualmente coordenado pelos Professores José Geraldo de Sousa Júnior e Roberto Aguiar, representa a mais nítida iniciativa concernente aos Direitos Humanos no âmbito da Universidade de Brasília – UnB. Trata-se de uma unidade de pesquisa, organizada em perspectiva temática e interdisciplinar, administrativamente vinculada ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares. Congregando professores, estudantes, funcionários, profissionais e investigadores de diferentes áreas, dedica-se o NEP à reflexão sobre o problema da paz e à promoção da dignidade da pessoa humana. Basicamente, segue uma linha de atuação com o propósito de reunir pessoas e entidades públicas e privadas para debater e desenvolver novas formas de ensino e aprofundar a pesquisa sobre a Paz e os Direitos Humanos, a fim de que se estabeleçam relações recíprocas, neste campo, entre a sociedade e a universidade.Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos – NEP:http://www.unb.br/fd/nep/indexnep.htm
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** De acordo com Aubenque (A prudência em Aristóteles, pp 76-77), "a prudência é a virtude intelectual que permite a cada vez definir a norma, o eqüanime deverá possuir no mais alto grau a virtude da prudência para aplicá-la em seu domínio próprio, o da distribuição dos bens e, mais geralmente, das relações entre os homens. De uma forma geral, a virtude moral conssiste, como vimos, em aplicar a regra determinada pelo homem prudente: "a retidão das virtudes morais depende da prudência". [...] Não é mais o homem de bem que tem os olhos fixos nas Idéias, somos nós que fixamos os olhos no homem de bem.[...]. Em Aristóteles, não é casual que a personagem que serve de critério seja frequentemente designada pelo vocábulo spoudaios. [...]O spoudaios é o homem que inspira confiança por seus trabalhos, aquele com quem nos sentimos em segurança, aquele que se leva a sério". Ou seja, o spoudaios é o sujeito que nunca vamos encontrar no meio político e intelectual brasileiro.
** De acordo com Aubenque (A prudência em Aristóteles, pp 76-77), "a prudência é a virtude intelectual que permite a cada vez definir a norma, o eqüanime deverá possuir no mais alto grau a virtude da prudência para aplicá-la em seu domínio próprio, o da distribuição dos bens e, mais geralmente, das relações entre os homens. De uma forma geral, a virtude moral conssiste, como vimos, em aplicar a regra determinada pelo homem prudente: "a retidão das virtudes morais depende da prudência". [...] Não é mais o homem de bem que tem os olhos fixos nas Idéias, somos nós que fixamos os olhos no homem de bem.[...]. Em Aristóteles, não é casual que a personagem que serve de critério seja frequentemente designada pelo vocábulo spoudaios. [...]O spoudaios é o homem que inspira confiança por seus trabalhos, aquele com quem nos sentimos em segurança, aquele que se leva a sério". Ou seja, o spoudaios é o sujeito que nunca vamos encontrar no meio político e intelectual brasileiro.
1 comentários:
Aristo,
esse Comparato nem sequer merece uma análise tão fina. Por ele, a democracia representativa iria para o lixo. Posa de democrata, mas dorme nele um louvador da ditadura coletivista. E tome-se plebiscito...
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